Tenho um amor bom sempre que
abro a porta de casa, mas de vez em quando tenho uma janela entreaberta a um
mau amor.
Amo de paixão o meu marido,
enche-me de mimos, de presentes, viagens… Ama-me como no primeiro dia.
Faz-me feliz e não me imagino
sem este amor bom, este bem-querer.
Mas não consigo deixar de
pensar no Gustavo, o imprevisível, o que me leva por caminhos perigosos, me faz
sentir em transgressão constante, o mau amor.
Adoro este meu lado selvagem,
louco.
Vivo assim, nesta teia de
emoções.
Quantas vezes, o meu lado
racional colocou um ponto final – que acaba sempre por ser uma vírgula – nesta
relação extraconjugal, que acaba por apimentar a relação com o meu marido.
Deitei fora tantas vezes este
amor mau, este mal-me-quer, este pedaço de mau caminho com pernas, que me faz
voltar para casa com o coração apertado, estrangulado pela culpa.
Mas, a adrenalina a correr-me
nas veias dá-me uma sensação de poder difícil de explicar.
A vida é para ser vivida em
pleno… Então porque tenho de me sentir culpada por estar a viver uma vida
dupla???
A vida é tramada.
Sou esposa exemplar, com uma
família exemplar e um coração meio vazio – ou meio cheio – de amor.
Sinto-me a definhar, a
esvaziar-me aos poucos.
Por mais que tente não consigo
viver assim, só com o amor bom.
Não consigo descrever o que o
meu corpo sente, quando estou com o Gustavo, fico electrizante – também me
consigo sentir assim com o Carlos – naqueles momentos de insanidade (ou
lucidez) em que decido que posso ficar bem só com o Carlos, aí sinto-me em paz,
calma, serena.
O problema é que odeio
sentir-me assim, parece que estou morta…
Por agora não vou pensar muito
nisso, vou continuar a viver a vida do meu jeito – as duas vidas neste caso.
A janela vai manter-se portanto
aberta.
Carla Santos Ramada
In "Um livro num dia" da Chiado Editora
23 de Abril de 2017