segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O Natal da Branquinha e do Seroulas



Olá
Eu sou a Branquinha, uma jovem ovelha que foi rejeitada pela mãe e que foi criada pela dona da quinta, que gosta muito de mim e me dá muitos miminhos.
Hoje a manhã está fria, não apetece nada sair do quentinho da cozinha, ainda com o cheiro das castanhas assadas no fogão de lenha na noite anterior, mas acordei cheia de energia pois o Natal está quase a chegar.
A D. Guilhermina acorda cedo e começa logo um reboliço naquela casa, é uma senhora muito simpática, que adora fazer bolos e ter sempre a casa cheia com os filhos e os netos.
Tem duas netas gémeas muito endiabradas, bem sei que deve ser dos seus oito anos, mas andam sempre atrás de mim para fazerem penteados do meu pêlo branco e sedoso e para me vestirem a roupa que fazem dos trapos velhos que encontram.
Depois existe o Pedrinho, tem 6 anos e acho que não gosta muito de mim, pois quando me apanha sozinha, puxa-me as orelhas e o rabo e tenho de andar sempre a correr para fugir dele.
Falta falar do meu amigo de quatro patas, o burro Seroulas, também vive cá em casa e dividimos os aposentos no canto da cozinha, nasceu cá em casa e a mãe dele morreu logo a seguir e claro que a senhora cuidou dele.
Acho que, como vive sózinha, pois o Sr Zé já morreu há muito tempo, ela adoptou-nos como filhos.
Já é o segundo Natal que vou passar com ela, mas para o Seroulas é o primeiro, estou mesmo empolgada.
Os netos chegam sempre uns dias antes para preparem o presépio e irem com a avó escolher um pinheirinho bonito, para depois enfeitarem com fitas de várias cores e algodão para parecer neve.
Reparei no ano passado que, junto do menino Jesus está sempre uma vaca e um burro, já estive a falar com o meu amigo e este ano quero ser eu a ficar ao lado do menino, eu de um lado e o Seroulas do outro.
Vamos ter de convencer todos que em vez de um burro e uma vaca de barro, é muito mais giro terem dois animais de verdade a guardar o menino Jesus.

Antes da véspera de Natal chega a animação a casa.
- Avó!!!!! Chegámos….
- Ó meus queridos, já estava com tantas saudades vossas!
- Ainda cá tens a Branquinha e o Seroulas?
- Sim claro, devem andar no quintal, podem lá ir ter mas portem-se bem.

Depois de uns abraços os pequenos vão à vida deles, ver os outros habitantes da capoeira e do estábulo.
- Brrr!!! Enfim descanso.
- Não digas isso amigo, eles estavam com saudades nossas.
-Pois mas aquele miúdo é irritante e ainda não temos nenhuma ideia de como vamos fazer para ficarmos no presépio.
- Olha que tu às vezes és mesmo burro! Então quando as crianças colocarem lá as figuras de barro, nós vamos às escondidas e zás!!!! Partimos os bichinhos de faz- de- conta e depois ficamos sentados lá ao lado.
- Bem, essa boca do burro foi um bocado foleira, mas gostei da ideia.

Ficámos muito sossegadinhos a ver num canto da sala toda a azáfama que se seguiu.
Primeiro chegou o pinheiro verdinho e colocaram dentro de um vazo grande, todo forrado de prata, depois chegou a cabana de madeira e colocaram por baixo do pinheiro, por fim a vaca, o burro, José, Maria, o menino Jesus e um anjinho muito lindo e brilhante, que Pedrinho encavalitou no topo da cabana.
Ficaram ali de volta da árvore a enfeitá-la, estavam numa alegria que até eu fiquei com vontade de me chegar lá perto para ver.
Susurrei  ao Seroulas:
- Até está lindo não está? Os pequenos têm jeito para isto.
- Xiu!!! Não acho nada, fica muito melhor connosco lá.

Quando as luzes se apagaram e os pequenos subiram para a parte de cima da casa para tomarem banho e se prepararem para o jantar de Natal, chegou a nossa vez de entrar em acção.
Avançámos com patinhas de lã, para não derrubar nada, pois a sala já estava cheia de sacos e roupas e doces espalhados pela mesa.
Ao chegar ao pé da cabana, pedi ao Seroulas para ser ele a derrubar as figuras, pois ele é que é o desastrado cá de casa e tinha razão, pois mal aproximou o focinho junto do casebre de madeira, as suas orelhas saltitonas tombaram os animais guardadores do menino Jesus.
Plock!Plock!
A dona Guilhermina que estava com a filha e a nora na cozinha espreitaram para a sala que tinha ligação directa para a cozinha.
Ficámos tipo estátuas, no escuro, até que elas lá continuaram na tagarelice em frente ao fogão.
- Pronto, já está Branquinha, conseguimos! Disse o Seroulas numa excitação que não passava despercebida.
- Agora tu ficas aí sossegadinho do lado do José e eu fico aqui ao pé da Maria.
- Certo e achas que não nos vão correr daqui quando perceberem o que aconteceu?
- Hum!!! A nossa dona é tão boazinha, ela vai achar muito bem vais ver.
- Mas é bom que me vá trazendo palha, porque senão começo a comer a que está no berço do menino.
- És mesmo tonto Seroulas.

Fez-se luz na sala, como sempre foram entrando todos muito bem vestidos e de cabelos arranjados.
De repente alguém gritou:
- Olhem!!!
Nesse instante fiquei muito nervosa, queria mesmo que a senhora não se zangasse connosco, só queríamos participar no Natal.
Depois de um silêncio prolongado, pelo menos a mim pareceu uma eternidade, ouviram-se gargalhadas e todos se juntaram à volta do pinheiro de Natal e da cabana com o menino Jesus e tiraram uma selfie de família.
Que Natal maravilhoso eu e o meu amigo tivemos.

- Mééééé

Carla Santos Ramada
In "Magia de Natal" Antologia Sui Generis
Dezembro 2017