sábado, 17 de novembro de 2018

As estrelas do meu céu




Quem dera ter a beleza da água cristalina,
Quando jorra dos meus olhos empoeirados
Quem dera ser o sal que tempera a água do mar
Que lhe dá sabor de liberdade e de paz.
Quem dera ser flor de primavera
Nos dias cinzentos e frios do inverno.
Quem dera!
Conseguir o tempero certo,
Misturar a água cristalina, com o sal da água do mar e o cheiro das flores primaveris.
Mas existe um céu povoado de gentes….
O meu céu!
Quem dera que pudesse tocar as estrelas do meu céu
Afagá-las em minhas mãos
E sentir o meu coração a derreter  ….
De Amor
De Gratidão
De Felicidade
Quem dera que o meu mundo corresse veloz
Por entre as tempestades da vida
E depois parasse naqueles momentos em que consigo tocar….
As minhas estrelas
O meu sol
O meu firmamento
Quem dera!
Assim vivo na esperança de um dia …
Um dia daqueles consigo
Consigo voar pelos céus e tocar em todas as estrelas
Um dia daqueles consigo
Sentir o calor do meu sol
Um dia daqueles consigo
Um dia em que tenho a certeza
Também serei estrela no céu
E formarei com as minhas estrelas,
Uma constelação de amor.


Carla Santos Ramada
Poemário2019
GMH


quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Renascer


Está escuro…
É nesta escuridão que me vejo,
Nua,
Vazia,
Oca,
Só um invólucro, nada mais!
Escorrego,
Caio,
Rastejo,
Levanto-me!
Sempre assim.
O embate com o desespero,
A angústia,
A dor,
O sofrimento,
Levam-me para um mundo sinistro, obscuro.
Teimo!
Não calo!
Não paro!
Volto a erguer-me,
Levanto a cabeça…
Ninguém!
Ninguém para me segurar.
Volto a cair,
Volto a rastejar.
Não vergo!
Endireito-me.
O vento é forte.
Mas teimo!
Sempre assim….
E a cada queda,
 Uma dor,
 Uma mágoa,
 Uma revolta.
Teimo!
E fico….
De pé!
Em cada queda, um re-erguer.
E em cada subida, um renascer!

Carla Santos Ramada
Antologia Poética "Florbela"
Edições Hórus - 2018

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Coisas de Mãe!

Hoje tenho de vir aqui, quem me conhece sabe que não sou muito destas coisas mas hoje, depois de um dia de trabalho cansativo, de uma valente dor de cabeça, terminar o dia assim, fez esquecer tudo o resto num instante.
Há uns dias atrás, tinha perguntado à minha filha se não tinha alguma boneca bonita e com cabelo para pentear que já não brincasse.
Questionou-me porquê claro, ao que respondi que uma amiga do trabalho me tinha pedido para uma menina que ela ia ver que estava no hospital e não tinha brinquedos.
Prontificou-se logo a despejar a caixa das barbies e afins.
Pensei para os meus botões " estás a fazer um bom trabalho como mãe"
Na semana seguinte lembrei-a que tinha de levar a boneca pois a menina já tinha perguntado outra vez à minha amiga pela boneca com cabelo.
Nesse dia à noite foi colocar a boneca em cima de mesa e desapareceu para a casa de banho, quando regressou ao quarto reparei que tinha estado a chorar e questionei-me se já não queria dar a boneca.
Depois de uma longa conversa, difícil de digerir até para mim, percebi que estava com pena da menina, que para além de estar doente não tinha brinquedos para brincar, quando ela tinha tudo o que pedia.
Conclusão escolheu duas bonecas, um livro e roupa que já não lhe servia para eu levar e ainda acrescentou:
- Mãe eu sei que ela vai dizer obrigado, mas olha que não é preciso porque eu dou porque quero.
Lá fiquei eu toda cheia de orgulho claro!
Hoje a minha amiga foi entregar as coisas e para além de falar via telefone com a menina ainda viu uma mensagem video a agradecer.
Ficou radiante, os olhitos dela saltitavam de felicidade.
Quando percebi que ela comeu o jantar rapidamente exclamei:
Hoje comeste rápido, sim senhor.
Resposta pronta:
- Sabes porque comi rápido mãe? Porque estava feliz e orgulhosa pelo que eu fiz.
Melhor era impossível, a cereja no topo do bolo.
E lá se vai o cansaço, a dor de cabeça....
Como eu amo ser mãe!

"Coisas de Mãe"
11 Setembro 2018
Carla Santos Ramada

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Onde foi que te perdi




Onde andas?
Onde foi que te perdi?
Achei que o mundo era nosso, que nada nem ninguém me tirariam de ti!
Tão segura, tão confiante
Tão feliz com as minhas certezas!
Mas agora….
Agora tudo deixou de fazer sentido.
Agora todas as certezas se foram.
Onde andas?
Onde foi que te perdi?
Quando te olho nos olhos,
Por momentos o teu olhar devolve-me, as certezas,
As alegrias, o amor, a felicidade.
Mas são apenas flashes,
Instantes em que te sinto comigo.
Porque depois, partes de novo, para esse teu mundo.
Onde só tu e o teu passado existe.
Onde andas?
Onde foi que te perdi?
Seria bem mais fácil, se tivesses partido,
Se tivesses ido para longe com outro alguém.
Seria mais fácil se te não visse assim, oco
Vazio de sentimentos
Vazio de nós
Vazio da nossa história
Será que sofres? Será que és feliz nesse mundo?
Nesse mundo onde foste parar,
Sem me perguntar se estava preparada para a tua partida?
Partiste e deixaste para trás o teu corpo.
Onde andas?
Onde foi que te perdi?
Levaste contigo um pedaço de mim!
Uma certeza não me tiraste!
A de que continuarei aqui!
Esperando por aquele flash nos teus olhos.
Isso é agora o que me faz feliz…. Um flash!
Um instante!
Um brilho fugaz no teu olhar!
Lembrando-me do quanto vale a pena ficar!
E ter sempre a leve esperança,
Que um dia voltes para me Amar!


Carla Santos Ramada
Maio 2018
Perdidamente III 
Pastelaria Studios - GMH

domingo, 13 de maio de 2018

Não Basta Estar





Se cansada,
Caminho mais devagar e chegarei mais longe.
Se feliz,
Partilho essa felicidade e ficarei radiante.
Se angustiada,
Olho noutra direcção e encontrarei uma solução.
Se perdida,
Espero pela noite e as estrelas me mostraram o caminho.
Se a porta não se abrir,
Existirá uma janela.
Se não houver janela,
Imaginarei uma, mas conseguirei sempre ir….
Ir onde me procuram
Ir onde faço falta
Ir onde me posso encontrar
Serei gerador de energia 
Serei almofada
Serei agasalho
Serei desatino
Serei luz
Serei paz
Serei amor
Serei aquilo que sou!
Sem reticências
Sem medos
Porque na vida não basta ESTAR!
Também temos de IR!
Também temos de SER!
Também temos de CONQUISTAR!

Carla Santos Ramada
Maio 2018 
Perdidamente III 
Pastelaria Studios - GMH

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O melhor presente




A poucos dias de soprar mais uma vela e festejar a dádiva da vida por cá andar com saúde, tenho uma conversa de circunstância com a minha filha deliciosa:

- Mãe sabes uma coisa, o pai já esteve a falar connosco para iremos comprar uma prenda para ti, mas olha eu disse que sim mas depois eu vou fazer –te uma coisa, eu mesma.

- Está bem, a mãe vai ficar contente.

- Pois, eu disse que sim ao pai mas as coisas que nós fazemos para oferecer são diferentes porque fomos nós que fizemos com as nossas mãos. Tu quando fazes as coisas e dás às tuas amigas elas também devem ficar todas contentes. É muito bom nós fazermos uma prenda para dar, por isso vou fazer-te uma coisa muito bonita.

Naquele momento, ela mesmo sem perceber já me estava a dar a melhor prenda de todas, saber que consigo passar valores que ela vai levar na bagagem para o resto da vida.

Este é o maior projecto da minha vida, ser MÃE!

Carla Santos Ramada
23 Fevereiro 2018

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Divagações - A repetição dos dias!



Os dias repetem-se um a seguir ao outro, inevitavelmente.
Nós vamos deixando passar os dias, sem darmos conta que estamos em contagem decrescente.
Existirá sempre um mas, um talvez, um se ….
Não quero que essas incertezas me impeçam de viver a vida “á minha maneira”.
Se faço, é porque gosto.
Se não vou, é porque não me apetece.
Se dou, é porque merece.
Se parto, é porque não me apetece ficar.
Se questiono, é porque me importo.
Se peço desculpa, é porque errei.
Se não gosto, falo.
Se amo, cuido.
Porque os dias repetem-se uma a seguir ao outro, inevitavelmente e nós não temos hipótese de nos repetirmos, vou viver a vida assim, do meu jeito.
Sem fingimentos
Sem medos
Sem pressas
Porque a vida não acontece, faz-se acontecer!

Carla Santos Ramada
13 Fevereiro 2018

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O Fim do Mundo



Corria o ano de 1927, o tempo ia muito frio, Fevereiro estava a terminar e a serra estava coberta por um manto branco.
Anoitecia cedo e os passos de António Vadio, assim era conhecido na aldeia, já se ouviam a derreter a neve do caminho.
Plock!!Plock!! Plock!! Pedrinhas a bater na janela do quarto da Mariazinha.
- Chiuuu!!! Queres acordar o mê pai – segredou por entre a janela entreaberta.
- Anda!!! Bimte buscar coração…
- Estais bom dessa cabeça? Como queres que saia daqui home?
- Sim, eu sei que sou o teu home mas nã ma deixes assim avespedo sem ti.
- Aespera por mim ai imbaixo faxavore … e calado.
O rapaz virou costas a esfregar as mãos de contente, já andava de namoro com a rapariga “mai” linda da terra fazia um bom par de meses e ainda nem um beijinho lhe tinha conseguido roubar.
A moça abeirou-se dele com um sobretudo e um xaile pela cabeça, mas aqueles olhos verdes reluziam na noite escura.
- Tava a ver que não, posso ta dar um beijinho? Oh vá lá coração…
- Escusas de fazer beicinho que já te disse que daqui nã levas nada até me prometeres que vais falar cô mê pai pra gente casar.
- Já disse que falo, mas agora a modos que nã é boa ideia né? Nã disseste que ele andava todo enxofrado por casa que o tê irmão lha tinha arranjado uns sarilhos com a filha do zé da venda?
A rapariga encolheu os ombros.
- Pois, antão ficamos aqui a conversar um bocadinho e prontos.


Naquela aldeia plantada no alto da serra a vida não corria, deslizava lentamente ao sabor do tempo.
Quando chegava a sexta-feira era dia de amassar a farinha para fazer as broas no forno e todas as telhas das casas transpiravam o fumo quente que deixava no ar o cheirinho a pão acabadinho de cozer.
A Mariazinha estava numa dessas tardes a amassar o pão quando a mãe se abeirou da porta de madeira entreaberta:
- Filha, a mãe já volta, vou com a ti Soldade do lugar à capela, parece que se passa pra lá quaisquer coisa.
Antes que a rapariga pudesse responder a mãe já tinha desaparecido pela porta do quintal.

- Antão o que se passa praqui?
- Ai voçemessê  ainda nã sabe?
- Ora se istô a precurar …
- A ti Maria mais a ti Conçeição istão as duas ali adentro da sacristia a rezar, dizem que viram um sinal e que o mundo vai acabar…
- A modos que ódespois de amanhã já cá nã está ninguém.
-Ora esta?? Querem lá ver que as beatas ficaram malucas de vez?
As outras mulheres benzeram-se perante aquela frase que soava a blasfémia.
- Nã digas isso Fernanda, Deus inda te castiga….
- Queres ver que já nã passo desta nôte??
O grupo de mulheres que se ia amontoando dentro da pequena capela, estava indignada com a descrença da vizinha.
Aos poucos a mulher foi-se convencendo do que as outras contavam.
As beatas, de joelhos uma de cada lado do altar e com um véu branco (sinal de pureza claro está…) rezavam ferverosamente uma ladainha difícil de perceber, até para os mais crentes.
A mais velha ergue-se do chão de pedra com os joelhos já quase em ferida e de braços abertos:
- Em nome de Deus todo- poderoso, peço-vos que trazeis para a casa do senhor todas as pessoas, algo terrível vai acontecer antes do amanhecer, todos tem de confessar os sês pecados pra entrarem puros no céu.
Gerou-se um burburinho e as mulheres começaram a correr cada uma para seu lado desorientadas.
A noite começava a cair e o vento frio já assobiava nos pinhais.


-Maaaaria!!!! Berrou a dona Fernanda exaurida no meio do Páteo.
- Aiii!!! Que foi mãeeee, ca desassossego é esse?
A rapariga assomou à porta da casa da lenha onde se cozia a primeira fornada de pão.
- Anda daí, tens de vir comigo pra capela.
- Mas o quêii? Ora agora???
- Nã faças perguntas, tira o avental e calça os sapatos de Domingo.
A moça assim fez, ainda que contrariada.
-Ãntão e o pai?
- Esse há-de dar conta de nós na capela, nã te rales.


Saíram ao portão para fora sob o olhar atento do António Vadio, que esperava uma oportunidade para estar com seu amor.
Não sabia o que se estava a passar, mas o sino da aldeia começou a tocar e as duas mulheres começaram a correr ladeira acima, ele seguiu-as.
A Mariazinha foi empurrada pela mãe para dentro e quase não se conseguiam mexer, parecia o metro em hora de ponta – muitos anos à frente e já no novo mundo com certeza.
As duas mulheres continuavam no altar a dizer que estavam ali como representantes de Deus, enquanto uma dizia que era o anjo São Gabriel a outra dizia que era o arcanjo São Rafael.
Todos tinham que se confessar e perdoar os pecados uns dos outros senão iam arder no lume do inferno.
As crianças pequenas choravam de fome e de sono ao colo das mães - sem perceberem nada do que acontecia.
Os jovens casais abraçavam-se e prometiam amar-se até à eternidade - que seria já ao amanhecer.
O Ti Manel da mercearia disse que perdoava todas as dívidas se o mundo acabasse - porque senão tinham de pagar na mesma.
Ouviu-se a coruja a cantar, o céu ficou escuro como bréu e todos começaram a rezar abraçados uns aos outros – todos, menos o António, esse que tinha Vadio no nome.

A Mariazinha alcançou António com os olhos, estava especado na porta da capela.
Ficou num desassossego, deixou de ouvir as rezas das beatas e muito menos as recomendações da mãe.
Enquanto toda a gente parecia que estava a entrar em transe, os dois pombinhos não conseguiam desviar os olhos um do outro.
Após uns olhares e uns sorrisos maliciosos a moça foi-se desenvencilhando dos braços da mãe e de repente sentiu uma mão forte a agarrar-lhe o braço.
- Que estás a fazer Tónio? Estás doido?
- Chiu!!! Anda comigo!
Tentou arrancá-la da porta da capela, mas a rapariga vacilou.
- Como queres que sai daqui? Nã percebeste o que está pracontecer home??
O rapaz era astuto e percebeu que tinha ali a sua oportunidade.
- Sim, ê percebi muito bem, Deus é nosso amigo e fez aquelas beatas ficarem malucas da cabeça pra nóis ficarmos juntos, melhor só mesmo nos filmes.
- Ai credo (benzeu-se três vezes), nã digas isso que Deus castiga.
António puxou-a contra si e encostou a boca ao seu ouvido.
- Nã me digas que nã queres estari aqui com o tê Tónio? Susurrou.
Ele sentiu o corpo da amada tremer e os seus olhos verdes reluziram fixando os seus.

Correram os dois de mãos dadas pela noite escura, a rapariga passou os sapatos dos pés para as mãos e descalça, desceram a ladeira que há pouco tinha subido com a mãe.
O seu vestido de chita verde- esmeralda como os seus olhos, balouçava de contente e o seu xaile levantava voo.
Mariazinha deixou-se guiar pelo amado.   
O rapaz escancarou a porta pesada de madeira do palheiro e mergulhou com ela na escuridão do casebre.
- Mas home e se o mundo for acabar e nóis istamos praqui??
- Ai mulher vais veri, que o mundo vai mas é começari agora.
- Espera Tónio, e se a minha mãe dá conta de mim? Fico perdida e ósdespois ninguém me quer…
Antes que conseguisse dizer mais alguma coisa (sim porque o rapaz estava com pressa, não fosse o mundo acabar mesmo e ele ficar à mingoa) enrolaram-se os dois no meio da palha e enquanto os sinos tocavam a repique, a Mariazinha via estrelas cadentes por entre as traves de madeira do casebre.
O mundo não tinha acabado, estava apenas a começar e este era apenas mais um capítulo do filme das suas vidas.




Carla Santos Ramada
In "Saloios & Caipiras"
Sui Generis -2017