sábado, 23 de janeiro de 2016

Ser Mãe


Por aqui os sábados são sempre movimentados, as compras do supermercado, o talho, a frutaria, a natação da miúda, a roupa para lavar, e o mais novo sempre atrás, sempre atento.
Depois de uma semana intensa de trabalho, um dia assim não ajuda muito ao descanso....
Um porque tosse, o outro tem o nariz entupido, depois tem fome, enfim só me pergunto quando tenho um minuto para me sentar no meu sofá.
Dez e meia da noite, ok está na hora de ir dormir, lavar dentinhos e xixi cama.
Beijinho à filha, beijinho ao filho, durmam bem, atá amanhã...
- Mãe?
- Sim filho?
- Não te dei um abraço apertadinho.
Volto atrás.
Pendura-se no meu pescoço, segura-me a cara com as duas mãos e diz:
- Gosto muito de ti mãe, és linda.
- Eu também quero refila a mais velha.
Mais um abraçinho e... " Adoro-te, és linda "
E foi assim que ás dez e meia da noite se fez dia em mim, esqueci-me dos ralhetes, do falar dez vezes até me ouvirem.
Esqueci-me das dores das pernas, das dores de cabeça, de tudo.
Ser mãe é isto...

Como eu amo ser Mãe!!

23 Janeiro 2016

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O Tempo

Por vezes….
Muitas vezes,
Descarrilo.
E deixo-me levar pelo tempo,
Quando queria ser eu a tomá-lo nas minhas mãos.
Esse tempo que é meu, só meu!
Por vezes….
Muitas vezes,
Descarrilo.
E fico prisioneira desse tempo,
Esse que eu queria que fosse meu!
E por vezes….
Muitas vezes,
Descarrilo,
E vivo assim, num mundo e num tempo que não é o meu.
Um tempo triste, cinzento e chuvoso.
Mas por vezes….
Muitas vezes,
Bato o pé a esse tempo que não volta atrás,
Para voltar a ser meu.
O meu tempo!
Tempo que transformo em alegria, amor, em paixão.
E sim,
Muitas vezes….
Levo a melhor ao tempo,
Esse que de vez em quando,
Me tenta roubar o coração.

Dezembro 2015
Carla Santos Ramada

domingo, 17 de janeiro de 2016

Lágrimas de Cristal


Não há beleza maior
Que um rosto inundado de lágrimas
E um sorriso de amor.
Lágrimas de cristal
Lágrimas doces
Lágrimas que limpam a alma
Lágrimas de uma felicidade sem igual.
São elas que falam a linguagem do coração
São elas que exprimem aquilo que da boca não sai
São elas ainda que mudas cantam uma bela canção.
Não voltarei a chorar com tamanha alegria.
E aquelas lágrimas….
Puras
Singelas
Doces e belas
Jamais voltarão a existir
Porque não há amor maior
Nem lágrima mais sentida
Do que aquela que brotou dos meus olhos
Ao ver pela primeira vez os seres a quem dei a vida.

Carla Santos Ramada
In colectânea " Um Litro de Lágrimas" da Pastelaria Studios Editora


Lágrima Triste


Lágrima triste,
Assim são as lágrimas que nascem nos meus olhos
Que talham sulcos em minha face
E depois morrem comigo, no meu corpo.
Lágrimas imperiais, soberanas,
Que ficam presas em mim.
Que transformam os meus olhos em tempestades,
O meu rosto num mar revolto
E o meu corpo num abandono sem fim.
Lágrimas feitas gente
Que sente
Que sofre
Que ama
Que chora
Lágrimas de saudades,
De gente que já foi embora.

Carla Santos Ramada 

In colectânea "Um Litro de Lágrimas" da Pastelaria Studios Editora

A Rapariga Morena de Vestido de Seda


Deitada na cama, com os braços cruzados atrás da nuca qual Tom Sayer, o olhar fixo no tecto do quarto, não sabe há quanto tempo está assim, mas sabe que não consegue sair dali. 
Nem consegue tirar o vestido de seda que tinha colocado especialmente para aquela ocasião, o seu mundo tinha desabado.
Mariana não pára de pensar, como vai resolver aquele dilema entre o seu coração e o seu cérebro. Aquele homem, tinha qualquer coisa que a deixava assim, esquecida do mundo lá fora, não conseguia afastar-se dele, era mais forte do que ela.
Depois de mais uma tarde louca, em que se deixou amar por aquele homem mais velho, vinha o arrependimento, a culpa.
- Como é possível! - Sabia, sabia toda a gente do bairro, aquele homem tinha a namorada a trabalhar em Braga, e mesmo assim, isso não a impedia de ir ao seu encontro sempre que ele lhe pedia.
Muitas vezes, no regresso a casa, para a normalidade da família, sentia-se suja, com repúdio do seu próprio corpo.
Mas depois, vinha a noite e no silêncio do seu quarto, voltavam as memórias daquelas tardes de amor, de sexo, de paixão. Era como se conseguisse sentir de novo o toque das suas mãos fortes a passearem-lhe pelo corpo, a descobrirem os seus seios arrebitados por debaixo do seu vestido de seda, conseguia voltar a sentir o seu cheiro, a sua respiração a ficar cada vez mais ofegante. E o seu corpo sozinho naquela cama, começava a contorcer-se de prazer e era transportada para um limbo onde só existiam eles os dois….
Depois, refeita de todas aquelas sensações, voltava à dura realidade e questionava-se vezes sem conta:
– Como? - Como era possível, porque não acabava com aquilo, se sabia que era errado?
De cada vez que saía para as aulas, passava pelo café ao lado da banca de jornais e sabia que o ia encontrar lá, sentado, na mesa do costume, a beber o café do costume. Mal se aproximava do tal café o seu coração começava a tentar sair-lhe do peito. Não sabia se para fugir daquela emboscada, se para mais uma vez lhe cair nos braços e esquecer as aulas, as amigas, o mundo.
Tantas e tantas vezes lhe perguntou se era mesmo com ela que queria ficar, porque não acabava com a namorada.
A resposta era sempre a mesma, dia após dia, segredava-lhe ao ouvido que ia fazer isso, mas tinha de esperar pelo momento certo, e havia sempre alguma coisa a acontecer para que isso não fosse possível. Assim se foram passando dias, semanas, meses.


O ano letivo chegara ao fim, já tinha completado 18 anos e decidiu que tinha de tomar uma decisão, ninguém podia ser feliz assim, todo o bairro sabia da sua ligação a um homem comprometido e se é certo que só de pensar que ia deixar de o ver isso lhe provocava uma ansiedade e um mal-estar difíceis de controlar, sabia que era a única atitude que podia tomar.
Nesse mesmo dia recebe uma mensagem no telemóvel “ Vem ter comigo ás nove no restaurante do costume, por favor leva o teu vestido de seda, LY “.
O coração voltou a tentar sair-lhe do peito, ficou a tarde toda num desassossego, não podia ir ter com ele, já tinha tomado uma decisão e desta vez tinha de ter forças para a cumprir.
Noite de sexta-feira, o Chapitô a borbulhar de pessoas e o som da música mistura-se com as conversas descontraídas e o som de copos a brindar a uma qualquer coisa, uma lua cheia fantástica e ali estava ela, sentada numa esplanada sobre Lisboa com o seu vestido de seda verde-esmeralda.
O jantar terminou com mais um brinde ao amor, à vida que ainda estava para vir e seguiram para o Castelo de S. Jorge, estava a decorrer o festival da cerveja e portanto o que não faltavam eram pretextos para andar a deambular pelo castelo.
A sua cabeça andava a mil, já não sabia se por causa da bebida se por causa daquele pedaço de tentação com pernas que andava literalmente agarrado a si. Deixou-se levar pelos trilhos do castelo, guiada por aquele homem de quem naquela tarde tinha prometido a si mesma afastar-se.
Subiram a uma das torres do castelo e sentiu-se tonta, encostou-se a ele e sentiu-o quente, ele apertou-a contra si e sentiu-se partir deste mundo e voar para outro, perdeu a noção da realidade, sentiu o seu corpo ir de encontro à parede da muralha, o vento soprava-lhe na face transpirada e rubescida e os seus longos cabelos negros ondulavam livremente, os seus corpos estavam sedentos um do outro, e amaram-se com pressa, com uma sofreguidão como nunca tinha acontecido.
Ficaram no chão de pedra, ela sentada no meio das pernas dele, as respirações ainda ofegantes, alheios ao barulho da música e das pessoas. Ele encostou a boca ao seu ouvido e disse-lhe que estavam a comemorar, pois eram livres, já podiam viver o seu amor sem limites, acrescentou ainda que a namorada tinha vindo de folga no dia anterior e que lhe tinha dito que também ela tinha encontrado alguém.
Nesse instante, o coração de Mariana parou, ficou por instantes petrificada, quando deu conta de si, ele estava a chamá-la de volta à realidade:
- Mariana, amor, ouviste o que eu disse?
Ignorou a pergunta, levantou-se, tentou colocar-se outra vez apresentável e ficou a olhar para ele, deixou de ouvir o que dizia, só conseguia ver uma figura na sua frente a esbracejar - como foi capaz de lhe fazer aquilo, pensava. Depois de tanto tempo à espera que ele colocasse um ponto final numa relação que mantinha à distância, agora vem dizer que está tudo bem porque ela acabou com ele.
Sentia uma revolta interior, as lágrimas escorriam-lhe pela face, ficou fora de si, lembra-se de lhe ter chamado tudo, sentia raiva, não conseguia ficar com alguém assim, ele disse que ela estava a ser mimada e teimosa mas ela pegou nos sapatos e desatou a correr descalça como uma louca, ainda o ouviu a suplicar que ficasse, que iria esperar por ela, mas não quis saber, sentia que tinha de sair dali.
Deambulou pelas ruas da cidade das sete colinas até de madrugada, o sol nascia no horizonte mas ela sentia-se na escuridão.
Regressou a casa e nessa mesma manhã de sábado comunicou à mãe que pretendia sair do país e ir viver com o pai que morava em Itália, explicou que lhe custava muito deixá-la sozinha, mas tinha mesmo de ir, prometeu que um dia voltaria.


Treze anos depois a mãe de Mariana fica bastante doente e ela resolve voltar à cidade que a viu nascer.
Tinha casado, e por ironia do destino também com um homem mais velho, tinha um filho de oito anos e regressou de vez com toda a família para estar junto da mãe.
Estava tudo muito parecido, nada mudara, tirando a banca de jornais que já não existia, o café continuava lá, com as mesmas mesas e até as pessoas lhe pareciam as mesmas, simplesmente mais amadurecidas pelo tempo.
Foi inevitável, ao passar por ali o seu coração voltou a entrar em sobressalto, pensou para consigo:
- Isto não me está a acontecer! – Que parvoíce, ele nem sequer era daqui, já deve viver longe e ter a sua família…
De repente, os seus olhos ficaram presos naquele homem já de cabelos grisalhos que estava sentado na mesa do costume, a beber o café do costume.
- Era ele, tinha a certeza. O seu coração tentou saltar-lhe do peito como há muito já não se lembrava. E agora, o que fazer?
Ia com o filho e as suas pernas ganharam vontade própria e pararam no meio do passeio. O olhar preso naquela figura.
Ele desviou o olhar da chávena de café e olhou para ela, ficaram assim longos instantes, a fitar-se.
Foi ele quem se levantou e foi ao seu encontro:
- Então Mariana, voltaste? Continuas linda apesar de já não usares vestidos de seda.
Ficou paralisada, queria falar mas não lhe saía coisa alguma, corou e baixou os olhos para o filho.
- É teu filho? - Perguntou.
Sentiu-se, não sabe porquê envergonhada e limitou-se a abanar a cabeça afirmativamente.
Ele sorriu para o miúdo e depois fixou o olhar na aliança que ela trazia no dedo anelar. Ela percebeu e instintivamente escondeu a mão.
Ele calmamente disse-lhe:
- Sabia que um dia havias de voltar. Nunca cheguei a sair daqui porque sabia que voltarias, disse-te naquela noite que esperava e esperei. Sabes Mariana, esperar é uma virtude mas tu decidiste não ser feliz comigo por teimosia, por capricho. Não estou a julgar-te, quem sou eu para te julgar, espero sinceramente que sejas feliz, mas a minha espera termina aqui.
Deu-lhe um beijo na face e seguiu caminho, Mariana ainda ficou a olhar para trás a vê-lo descer a rua, depois também ela decidiu continuar o seu caminho, as lágrimas rolavam-lhe pela face e o filho perguntou:
- Mãe porque está a chorar? Quem era aquele senhor simpático.
Mariana limpou as lágrimas e simplesmente disse:

- Chama-se Bernardo. 

Carla Santos Ramada - Outubro 2015
In  colectânea "Caprichos&Virtudes" do GMH

O Nascer do Sol


A noite começou no sítio do costume, no Floresta, um café mítico onde quando caía a noite tudo se transformava e onde o barulho das conversas e gargalhadas se misturava com o cheiro das tostas mistas, dos shots e do fumo do tabaco.
Seguiu-se o Bar Seven, Isabel passou a noite a conversar com Carlos quando foi interpelada pela irmã.
Não vês que ele também tem namorada e toda a gente já comenta que vocês andam enrolados, achas bem??
Epá não me chateis, só estou a divertir-me.
A irmã voltou para junto dos amigos e Carlos perguntou-lhe se a irmã estava chateada. Não encontrou resposta e encostou o seu corpo ao de Isabel, ela estremeceu sentiu o coração agitar-se mas não se afastou, era como se os seus pés estivessem colados ao chão.
Oh! Encolheu os ombros, sim um bocadinho retorquiu e engoliu o resto da cerveja que tinha no copo pois não sabia mais o que dizer.
Ele encostou a boca ainda húmida da bebida e segredou, eu também sei que está errado, mas não me consigo afastar de ti, tu hipnotizas-me.
Isabel inclinou a cabeça para cima e olhou para ele, nesse instante as suas bocas uniram-se num beijo sôfrego.
Aquilo não podia ter acontecido, a cabeça dela estava a mil, tentou livrar-se dos braços que a abraçavam mas Carlos disse-lhe que não precisava de ficar assim, estendeu-lhe a mão e pediu que a que a seguisse.
Foi com ele até ao carro, um mercedes branco topo de gama, só o carro já impunha respeito, onde vamos?
Vais ver o nascer do sol mais lindo que alguma vês viste.
O Carro imobilizou-se junto ao miradouro, o céu tinha uma cor alaranjada, sinal de que o nascer do sol estava próximo, estavam em silêncio mas o corpo de Isabel estava numa agitação pouco disfarçável.
Os bancos do mercedes reclinaram-se como se estivessem em modo automático e ela entregou-se aquela paixão.
Ficaram ali longos momentos em silêncio, os corpos ainda suados a ver a manhã despertar, era de facto o nascer do sol mais lindo que alguma vês vira.
Isabel, Isabel!!! Estás a ouvir-me ??

Nesse momento percebeu que estava a meio da aula de microbiologia e olhou ainda meio espantada para o seu corpo e depois para a colega que a chamava baixinho, desanimada suspirou e fez um aceno de cabeça à colega que a chamava de volta à realidade.

Carla Santos Ramada - Abril 2015
Conto publicado em "Um Livro Num Dia" da Chiado Editora

A história dos bonecos de trapo



A Avó velhinha estava sempre a pedir ao Carlinhos, para lhe trazer uns trapos velhos,
E naquela correria para os arranjar, muitas vezes caía e magoava os joelhos.
Que saudades que o menino tem, daquelas tardes com a avó velhinha.
E aquela senhora que parecia tão, mas tão velhinha,
Já corcunda, de bengala e cabelos brancos como a neve,
Fazia os bonecos de trapo mais lindos que alguma vez alguém teve.
E o Carlinhos assim que saía da escola, corria para os braços daquela avó velhinha,
Que gostava de fazer bonecos de trapo e de comer ovos crus de galinha.
Achava aquilo tão estranho, que o menino estava sempre a perguntar “ Avózinha, porque estás a picar e a chupar ovos de galinha?”
Ao que a velhinha respondia: Para ter energias e para não ficar fraquinha.
Agora já crescido guarda com carinho, todos aqueles bonequinhos,
Que a avó sentada nas escadas, lhe fazia com os trapinhos.
De uma meia da mãe fazia-se a cabeça e com uma do pai fazia-se o corpo.
Ficava um boneco muito engraçado mesmo ficando um bocado torto,
Enchia-se com pedacinhos de tecidos soltos da costura da mãe Rosa.
Cozia-se o cabelo com lã e os olhos com botões da uma camisa que já fora preciosa.
E o menino aprendeu que pelo facto das roupas serem velhas,
Não quer dizer que não tenham utilidade.
Pois recorda-se muito bem, que a brincar com os bonecos de trapo,
Tinha sido feliz de verdade.

Carla Santos Ramada - Outubro 2015