quinta-feira, 18 de maio de 2017

A prenda para a filha

Já todas as mães sabem, que os dias nunca mais acabam e que os nossos filhos estão sempre prontos a surpreender-nos, bem e quanto a isso, já não é novidade.
Mas depois existem aqueles momentos em que ficamos sem palavras, em que parece que o coração vai rebentar de alegria e de repente esqueces o  dia chato no trabalho, esqueces o cansaço no teu corpo.
É, ser mãe tem destas coisas… maravilhosas.
Hoje a minha filha recebeu de prenda de anos dois fios iguais, cada um com um coração e num tem escrito “Best” e no outro “Friends” e adorou claro, não fosse ela uma menina vaidosa.
Olhou para mim e perguntou o que queria dizer “Best” pois a outra palavra já sabia.
Após ouvir a minha resposta, disse muito pronta:
- Então posso ficar com um e dar o outro à minha melhor amiga?
Eu disse que sim, a ideia é essa.
Ela saiu aos pulinhos a dizer que ia levar para a escola para dar à amiguinha.
Passado um pouco, voltou atrás e veio ter comigo com os fios na mão.
- Mãe!! Olha, estive a pensar e decidi que afinal quero dar-te este fio a ti, porque a minha melhor, melhor amiga és tu! Gostas do fio? Posso colocar-te ao pescoço?
Acabámos num longo abraço.

Este momento valeu por tudo.

A mãe Carla

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O Sonho

Quando eu era pequena,
Eu tinha um sonho,
E eu cresci…
E o sonho cresceu.
Mas agora não sei dele.
Será que fugiu?
Ou será que morreu?
Era um sonho grande, cor-de-rosa, onde eu colocava tudo.
Agora não o ouço.
Está calado?
Ou será que é mudo?
Já remexi todas as gavetas dos armários de minha casa,
Ou melhor, das casas por onde passei.
Mas foi em vão, porque do sonho nem sinal.
Não encontrei.
É que o sonho que eu procuro, já não é o que sonho que eu sonhei,
Cresceu, ganhou forma.
Mas continua a ser o sonho pelo qual lutarei!
E continuo à procura do sonho,
Agora diferente,
Mas continua a ser o meu sonho!
E remexo todas as gavetas.
Abro e fecho todas as portas
E o sonho não aparece,
Como por magia,
Talvez porque é sonho ….
Desaparece!!!
Mas não desisto e continuo a querer o sonho para mim.
Porque quando eu deixar de sonhar

É porque a vida chegou ao fim.

Carla Santos Ramada
In " Na minha cómoda" do GMH
Maio 2017

In "Florbela" Edições Hórus
Setembro 2018

segunda-feira, 15 de maio de 2017

O Amor de Maria

Ao meu eterno amor

Queria tanto ter esse amor eterno em mim, mas sei bem que não existes – bem, existes no meu coração.
Sei que nunca ninguém irá ler estas singelas letras, mas não faz mal. Escrevo e fico a imaginar-te a ler estas cartas e este sentir que trago em mim.
Hoje no trabalho tive uma colega que recebeu um ramo de rosas vermelhas, cor de sangue. Fiquei triste sabes? Fico a pensar porque não recebo também umas flores, ou uns chocolates ou outra surpresa qualquer.
Fico encolhida na minha cadeira, no meu canto. Doí muito dentro do meu peito e ainda dizem que o coração não doí, dói pois e muito.
Às vezes sinto-o a sangrar e levo as mãos à cara para ter a certeza que as minhas lágrimas não são vermelhas.
Vivo assim, neste mundo, rodeada de gente, mas sem ti – vivo na solidão.
(Decidi na minha cabeça que tu existes e que até respondes às minhas cartas e isso para mim basta-me – para já.)
Logo vou sair, vou ao nosso miradouro, lembras-te qual é? Claro que lembras, o de Santa Lúzia, tem uma vista fantástica. Vou ficar lá a observar as estrelas embalada pela música da nossa vida “ Love Of My Life” dos Queen.
Já te disse que quando casarmos quero que todas as músicas sejam dos Queen? Sabes bem que os adoro e não fiques com ciúmes, não tens razão para isso.
És o meu único amor.
Vou ver se desta vez consigo acertar numa indumentária que tu gostes, pensas que eu não sei que achas que eu tenho um jeito meio brega de me vestir?
Pois fica sabendo que te vou surpreender, até aí eu vou conseguir mudar, tudo para que tu gostes e me ames do jeito que eu preciso.
Talvez vá comprar um vestido quando sair do trabalho, eu sei que vais dizer que a vida não está para extravagâncias, mas já te disse que tu mereces tudo?
Vou encontrar um daqueles vestidos sensuais, irresistíveis e hoje tu não me escapas amor.
Hoje na pausa para o café, um colega perguntou se queria ir jantar a um sítio fixe, estavam a combinar um jantar com colegas de trabalho. A minha resposta foi impulsiva, “Não posso, já tenho outros planos”, sei que todos pensam que sou uma tonta e ninguém acredita que tenha um namorado ou alguém especial.
Não poderiam estar mais errados, tontos são eles, que não acreditam.
Tu existes e fazes-me muito feliz e não mudaria nada na minha vida, não preciso de jantares de colegas, quando posso viver (sonhar) com este grande amor.
Sou feliz assim.
Até mais logo, no nosso sítio secreto.

Amo-te até ao fim dos meus dias.

Maria





Minha Querida Maria

O amor é muitas vezes isto, entrega e dedicação sem esperar nada em troca.
Como admiro essa tua abnegação, essa entrega.
De certeza que encontrarás um vestido lindo e o céu estará cintilante e fará de ti a mulher mais linda do mundo.
Não penses que ficaria chateado contigo se fosses jantar com os teus colegas, não - Não ficaria nem um pouco. Tens a tua vida e não posso querer que vivas só para mim.
Sei o que estás a pensar “ mas eu quero viver só para ti”, mas não pode ser amor, não é saudável e não é isso que eu quero.
Não comeces já a zangaras-te comigo, por favor!
Ouve-me com atenção, eu sei que vai ser difícil o que vais ouvir – ler.
Esta é a última carta de amor que recebes minha.
Não penses que é por falta de amor, é antes por te amar demais, tenho de deixar-te viver a tua vida de verdade e não uma fantasia que só existe na tua cabeça.
Eu sei que vais escrever mais uma dúzia de cartas a pedir resposta, a implorar o meu amor, mas sabes uma coisa? Não terás essa carta nem nesse amor.
Vou ser mais forte que tu e vou fazer com que encontres um homem de verdade, que te admire e ame e te faça sentir viva todos os dias.
O amor só faz sentido quando existem duas pessoas…
Deixo um pedido, por favor não tenhas medo de amar, de sentir, de rir e de chorar e de te entregares de corpo e alma a alguém, como fizeste estes anos todos comigo (contigo).
Sei que vais chorar, mas só te vai fazer bem, chora tudo o que tiveres a chorar, mas depois, limpa as lágrimas, coloca um vestido, uns sapatos altos, um batom e sai por aí.
Trilha o teu caminho, a tua felicidade, na certeza que num cantinho especial do teu coração estarei sempre eu (tu).

O teu eterno amor.



Carla Santos Ramada
15 Maio 2017
In "É urgente o Amor" da Edições Vieira da Silva


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Esvaziar Sentimentos


Tinha de entrar. O coração a galopar no peito, as pernas bambas. Parecia que ali o ar era diferente, mais denso.
Cheirava a terra húmida, mas tinha de ir por ali.
Enchi os pulmões desse ar misterioso, continuei.
A porta pesada e enferrujada fez um rugido tenebroso, fechou-se.
Hoje resolvi esvaziar todas as gavetas da minha cómoda, aquela que fechei a sete chaves na minha cabeça, mas que de vez em quando vem instalar-se no meu coração.
Tenho de fazer este esvaziamento o mais depressa possível, para conseguir voltar a arrumar as coisas nos seus devidos lugares.
Fechei os olhos, respirei fundo, vamos então à primeira gaveta.
Abri-a com muito cuidado, ou seria medo?
O cheiro que dela emanou, não era a pó nem a mofo, era a perfume, do meu primeiro grande amor.
Abri os olhos molhados dessa água perfumada, as minhas mãos encontraram um pedaço dele, gasto pelo tempo, o lenço preto que trazia sempre a estrangular-lhe o pescoço.
Retirei o objecto, como se de uma coisa repugnante se tratasse e fechei a gaveta, os meus olhos continuavam molhados, limpei-os com o lenço e joguei-o no chão.
Respirei novamente aquele ar pesado, demorei-me uns minutos na segunda gaveta e abri-a num impulso, queria sair dali, fugir, esconder-me, mas sabia que isso seria condenar-me a uma morte lenta.
Fiquei de olhos fixos no vazio e empoeirado compartimento, nada, nesta não restava nada, não fosse o meu coração entrar em taquicardia e ter de se afastar, para perceber que mesmo vazia aquela gaveta estava cheia.
As memórias assaltaram os meus pensamentos, em breves segundos desfilaram pela minha cabeça as imagens de todos aqueles momentos de brincadeira, de cumplicidade e de inocência que passei com o amigo de escola que partiu muito cedo, sim és tu.
Não parava de me perguntar, o que teríamos vivido se a tua vida não tivesse terminado de maneira tão trágica, se eu não te tivesse deixado ir sozinho naquela tarde para o rio.
As minhas mãos continuavam agarradas aos puxadores, tinha de a fechar, tinha de conseguir viver sem esse peso, esse remorso.
Fechei-a, com um grito de libertação.
Faltava a última gaveta, recompus-me, limpei os olhos desfigurados de tanta dor, ajoelhei-me no chão e mentalmente, contei até três.
Abri-a, devagar, quase sem dar por isso, a um canto jazia uma foto amarelecida.
Com a mão trémula, agarrei-a e os meus olhos teimosos não me obedeceram, as lágrimas que corriam pelo meu rosto eram serenas, eram lágrimas de saudades, daquela tia que me tinha criado, me tinha ensinado, me tinha mimado.
Era ela uma das grandes responsáveis por eu ser a mulher que sou hoje, mas não consegui despedir-me dela, só me restava aquela foto dela doente, prostada numa cama. Era uma pré-adolescente sem voto na matéria e certamente que os meus pais fizeram o que achavam melhor, mas esse sentimento de abandono ficou em mim.
Mas tinha de ser agora, soprei-lhe um beijo e sussurrei-lhe um obrigado, a foto voou levemente até ao chão e voltei a fechar a gaveta, lentamente.
Respirei fundo, precisava de enviar oxigénio ao meu cérebro.
Depois olhei o lenço e a foto, levei-os até ao jardim e depositei-os na terra húmida.
Joguei-lhes ácido. A velhinha cómoda, doei-a para um lar.

Podia finalmente comprar uma cómoda nova e recomeçar a enchê-la com novas recordações e novos sentimentos.

Carla Santos Ramada
Colectânea " Na minha cómoda" do GMH
Abril 2016