domingo, 17 de janeiro de 2016

A Rapariga Morena de Vestido de Seda


Deitada na cama, com os braços cruzados atrás da nuca qual Tom Sayer, o olhar fixo no tecto do quarto, não sabe há quanto tempo está assim, mas sabe que não consegue sair dali. 
Nem consegue tirar o vestido de seda que tinha colocado especialmente para aquela ocasião, o seu mundo tinha desabado.
Mariana não pára de pensar, como vai resolver aquele dilema entre o seu coração e o seu cérebro. Aquele homem, tinha qualquer coisa que a deixava assim, esquecida do mundo lá fora, não conseguia afastar-se dele, era mais forte do que ela.
Depois de mais uma tarde louca, em que se deixou amar por aquele homem mais velho, vinha o arrependimento, a culpa.
- Como é possível! - Sabia, sabia toda a gente do bairro, aquele homem tinha a namorada a trabalhar em Braga, e mesmo assim, isso não a impedia de ir ao seu encontro sempre que ele lhe pedia.
Muitas vezes, no regresso a casa, para a normalidade da família, sentia-se suja, com repúdio do seu próprio corpo.
Mas depois, vinha a noite e no silêncio do seu quarto, voltavam as memórias daquelas tardes de amor, de sexo, de paixão. Era como se conseguisse sentir de novo o toque das suas mãos fortes a passearem-lhe pelo corpo, a descobrirem os seus seios arrebitados por debaixo do seu vestido de seda, conseguia voltar a sentir o seu cheiro, a sua respiração a ficar cada vez mais ofegante. E o seu corpo sozinho naquela cama, começava a contorcer-se de prazer e era transportada para um limbo onde só existiam eles os dois….
Depois, refeita de todas aquelas sensações, voltava à dura realidade e questionava-se vezes sem conta:
– Como? - Como era possível, porque não acabava com aquilo, se sabia que era errado?
De cada vez que saía para as aulas, passava pelo café ao lado da banca de jornais e sabia que o ia encontrar lá, sentado, na mesa do costume, a beber o café do costume. Mal se aproximava do tal café o seu coração começava a tentar sair-lhe do peito. Não sabia se para fugir daquela emboscada, se para mais uma vez lhe cair nos braços e esquecer as aulas, as amigas, o mundo.
Tantas e tantas vezes lhe perguntou se era mesmo com ela que queria ficar, porque não acabava com a namorada.
A resposta era sempre a mesma, dia após dia, segredava-lhe ao ouvido que ia fazer isso, mas tinha de esperar pelo momento certo, e havia sempre alguma coisa a acontecer para que isso não fosse possível. Assim se foram passando dias, semanas, meses.


O ano letivo chegara ao fim, já tinha completado 18 anos e decidiu que tinha de tomar uma decisão, ninguém podia ser feliz assim, todo o bairro sabia da sua ligação a um homem comprometido e se é certo que só de pensar que ia deixar de o ver isso lhe provocava uma ansiedade e um mal-estar difíceis de controlar, sabia que era a única atitude que podia tomar.
Nesse mesmo dia recebe uma mensagem no telemóvel “ Vem ter comigo ás nove no restaurante do costume, por favor leva o teu vestido de seda, LY “.
O coração voltou a tentar sair-lhe do peito, ficou a tarde toda num desassossego, não podia ir ter com ele, já tinha tomado uma decisão e desta vez tinha de ter forças para a cumprir.
Noite de sexta-feira, o Chapitô a borbulhar de pessoas e o som da música mistura-se com as conversas descontraídas e o som de copos a brindar a uma qualquer coisa, uma lua cheia fantástica e ali estava ela, sentada numa esplanada sobre Lisboa com o seu vestido de seda verde-esmeralda.
O jantar terminou com mais um brinde ao amor, à vida que ainda estava para vir e seguiram para o Castelo de S. Jorge, estava a decorrer o festival da cerveja e portanto o que não faltavam eram pretextos para andar a deambular pelo castelo.
A sua cabeça andava a mil, já não sabia se por causa da bebida se por causa daquele pedaço de tentação com pernas que andava literalmente agarrado a si. Deixou-se levar pelos trilhos do castelo, guiada por aquele homem de quem naquela tarde tinha prometido a si mesma afastar-se.
Subiram a uma das torres do castelo e sentiu-se tonta, encostou-se a ele e sentiu-o quente, ele apertou-a contra si e sentiu-se partir deste mundo e voar para outro, perdeu a noção da realidade, sentiu o seu corpo ir de encontro à parede da muralha, o vento soprava-lhe na face transpirada e rubescida e os seus longos cabelos negros ondulavam livremente, os seus corpos estavam sedentos um do outro, e amaram-se com pressa, com uma sofreguidão como nunca tinha acontecido.
Ficaram no chão de pedra, ela sentada no meio das pernas dele, as respirações ainda ofegantes, alheios ao barulho da música e das pessoas. Ele encostou a boca ao seu ouvido e disse-lhe que estavam a comemorar, pois eram livres, já podiam viver o seu amor sem limites, acrescentou ainda que a namorada tinha vindo de folga no dia anterior e que lhe tinha dito que também ela tinha encontrado alguém.
Nesse instante, o coração de Mariana parou, ficou por instantes petrificada, quando deu conta de si, ele estava a chamá-la de volta à realidade:
- Mariana, amor, ouviste o que eu disse?
Ignorou a pergunta, levantou-se, tentou colocar-se outra vez apresentável e ficou a olhar para ele, deixou de ouvir o que dizia, só conseguia ver uma figura na sua frente a esbracejar - como foi capaz de lhe fazer aquilo, pensava. Depois de tanto tempo à espera que ele colocasse um ponto final numa relação que mantinha à distância, agora vem dizer que está tudo bem porque ela acabou com ele.
Sentia uma revolta interior, as lágrimas escorriam-lhe pela face, ficou fora de si, lembra-se de lhe ter chamado tudo, sentia raiva, não conseguia ficar com alguém assim, ele disse que ela estava a ser mimada e teimosa mas ela pegou nos sapatos e desatou a correr descalça como uma louca, ainda o ouviu a suplicar que ficasse, que iria esperar por ela, mas não quis saber, sentia que tinha de sair dali.
Deambulou pelas ruas da cidade das sete colinas até de madrugada, o sol nascia no horizonte mas ela sentia-se na escuridão.
Regressou a casa e nessa mesma manhã de sábado comunicou à mãe que pretendia sair do país e ir viver com o pai que morava em Itália, explicou que lhe custava muito deixá-la sozinha, mas tinha mesmo de ir, prometeu que um dia voltaria.


Treze anos depois a mãe de Mariana fica bastante doente e ela resolve voltar à cidade que a viu nascer.
Tinha casado, e por ironia do destino também com um homem mais velho, tinha um filho de oito anos e regressou de vez com toda a família para estar junto da mãe.
Estava tudo muito parecido, nada mudara, tirando a banca de jornais que já não existia, o café continuava lá, com as mesmas mesas e até as pessoas lhe pareciam as mesmas, simplesmente mais amadurecidas pelo tempo.
Foi inevitável, ao passar por ali o seu coração voltou a entrar em sobressalto, pensou para consigo:
- Isto não me está a acontecer! – Que parvoíce, ele nem sequer era daqui, já deve viver longe e ter a sua família…
De repente, os seus olhos ficaram presos naquele homem já de cabelos grisalhos que estava sentado na mesa do costume, a beber o café do costume.
- Era ele, tinha a certeza. O seu coração tentou saltar-lhe do peito como há muito já não se lembrava. E agora, o que fazer?
Ia com o filho e as suas pernas ganharam vontade própria e pararam no meio do passeio. O olhar preso naquela figura.
Ele desviou o olhar da chávena de café e olhou para ela, ficaram assim longos instantes, a fitar-se.
Foi ele quem se levantou e foi ao seu encontro:
- Então Mariana, voltaste? Continuas linda apesar de já não usares vestidos de seda.
Ficou paralisada, queria falar mas não lhe saía coisa alguma, corou e baixou os olhos para o filho.
- É teu filho? - Perguntou.
Sentiu-se, não sabe porquê envergonhada e limitou-se a abanar a cabeça afirmativamente.
Ele sorriu para o miúdo e depois fixou o olhar na aliança que ela trazia no dedo anelar. Ela percebeu e instintivamente escondeu a mão.
Ele calmamente disse-lhe:
- Sabia que um dia havias de voltar. Nunca cheguei a sair daqui porque sabia que voltarias, disse-te naquela noite que esperava e esperei. Sabes Mariana, esperar é uma virtude mas tu decidiste não ser feliz comigo por teimosia, por capricho. Não estou a julgar-te, quem sou eu para te julgar, espero sinceramente que sejas feliz, mas a minha espera termina aqui.
Deu-lhe um beijo na face e seguiu caminho, Mariana ainda ficou a olhar para trás a vê-lo descer a rua, depois também ela decidiu continuar o seu caminho, as lágrimas rolavam-lhe pela face e o filho perguntou:
- Mãe porque está a chorar? Quem era aquele senhor simpático.
Mariana limpou as lágrimas e simplesmente disse:

- Chama-se Bernardo. 

Carla Santos Ramada - Outubro 2015
In  colectânea "Caprichos&Virtudes" do GMH

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