Como podes dizer
que não se passa nada? Não são só os outros que tem
problemas, ninguém é de ferro….
- Podes sair por
favor e fechar a porta? A sério que está tudo bem, obrigado pela preocupação
mas só me apetece ficar aqui sossegadinha.
Acenei com a cabeça e saí do quarto, tinha a
certeza de que se passava alguma coisa de muito grave com a minha amiga mas não
estava a conseguir ajudá-la.
Quando uma de
nós tinha um problema, um dilema qualquer de namoros ou de maridos e filhos,
por mais insignificante que ele fosse, sabíamos que a Isabel tinha sempre uma
solução, uma palavra certa na hora certa – Isto num grupo de oito amigas que se
conhecem desde a infância, já se tornara mais do que normal, ela era a nossa
“bengala” era a que estava sempre ali.
Agora todas nós
nos sentíamos perdidas, incapazes de encontrar um rumo ou uma solução para o
problema.
A rapariga
alegre e bem-disposta deu lugar a uma mulher baça, cinzenta, sem brilho. Mas
como não conseguimos perceber o que de errado se estaria a passar? Era a
pergunta que todas nós fazíamos a nós mesmas.
Esta situação
durava há meses, ela estava literalmente a definhar fechada em casa.
A vida tem tanto
de belo como de cruel, como é que uma pessoa tão bonita por dentro e por fora, que
sempre viveu em função dos outros, que não era injusta com ninguém, estivesse
agora assim, viva mas sem viver.
- Madalena,
temos de fazer alguma coisa para ajudar a Isa, vim agora de casa dela e não
consegui que me dissesse nada, simplesmente mandou-me sair.
- Também já não
sei mais que fazer, todas nós lá vamos todos os dias e o certo é que ela
continua apática…
Não percebo o
que se passa, indignou-se Helena.
- Já pensaram
que se calhar é melhor tentarmos contactar os primos dela da Madeira?
- Achas que é
mesmo motivo para isso? Perguntou a Sónia.
Ficámos todas em
silêncio, estávamos no sítio preferido da Isa, a Boca do Inferno, era final de
tarde, o sol estava a pôr-se no horizonte e ouvia-se o rugir das águas revoltas
a bater contra as rochas.
As lágrimas
apareceram sem avisar nos nossos rostos, faltava ali alguém….
- Posso dizer
uma coisa?
- Sim, diz Catarina.
- Ela sempre
carregou com os nossos problemas, as nossas aflições, às vezes tão parvas,
agora ela precisa de nós e eu já prometi a mim mesma que vou trazê-la de volta
à vida, podemos aqui e agora fazer essa promessa?
- Sim claro,
respondemos todas em coro.
Fizemos um
círculo, unimos as nossas mãos e a uma só voz gritámos num acto de revolta:
- Isabel, amiga,
prometemos aqui no teu lugar favorito, que te vamos trazer de volta, custe o
que custar.
Nessa noite
decidimos que iríamos pegar nos nossos sacos cama e iríamos acampar em casa de
Isabel.
A campainha
tocou várias vezes até que ela abrisse a porta.
- Ah, são vocês!
O que estão aqui a fazer?
Nem lhe demos
ouvidos, entrámos para a sala e começámos a dispor os sacos cama pela sala.
- Queres pizza?
Trouxemos comida e bebida, viemos acampar por aqui.
Rimos ainda que
sem vontade, percebemos que não tomava banho há uns dias e também não havia vestígios
de comida na cozinha.
- Não tenho
fome, mas já que aqui estão fiquem à vontade, eu vou para o quarto…
- Espera!!!
Então vais deixar-nos aqui sozinhas?
- Vá lá Isabel!!
Somos assim tão má companhia? Perguntou uma.
- Ou já tens
companhia melhor? Retorquiu outra.
Ela lá fez um
sorriso amarelo e deu a desculpa que tínhamos escolhido mal o dia porque estava
com dor de cabeça.
Depois de ter
subido para o quarto, ficámos novamente com o semblante carregado, olhámo-nos
em silêncio.
Tínhamos mesmo
de colocar o plano de emergência em curso.
Quando o dia
amanheceu, arrumámos as coisas e em silêncio tomámos o pequeno-almoço.
A campainha
tocou e Isabel gritou para a sala:
- Podem abrir?
Abrimos a porta,
claro, já estávamos há espera.
O médico entrou
junto com dois enfermeiros, a ambulância aguardava parada à porta pela sua nova
paciente.
Indicámos o
quarto onde estava Isabel.
Quando saíram,
ela ía aos gritos, com os braços imobilizados por correias e agarrada pelos
dois enfermeiros.
Estávamos
perfiladas à porta da rua, ela olhou-nos nos olhos e suplicou que a ajudássemos,
todas baixámos a cabeça.
Ela saiu a
chamar carrascos aos enfermeiros e a nós.
Abraçámo-nos, as
lágrimas molhavam os nossos rostos, doía muito mas sabíamos ter tomado a
decisão certa.
Carla Santos Ramada
06 Fevereiro 2016
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